Sismometria

Ruído

Ruído

Registo feito durante um dia (18 de dezembro de 2020) pela estação AEFP. O ruído representa a maior parte do registo. O registo sísmico corresponde a um sismo de magnitude ML 4.7, ocorrido no mar de Marrocos, com epicentro a 460 km de distância.

(Fonte: Clube de Geofísica, AEFP)

Na ausência de sinais de fontes sísmicas (que corresponde a mais de 90% do tempo) o registo sísmico é dominado por aquilo que se designa por ruído. Este ruído pode ter várias origens, quer instrumentais, quer ambientais e caracteriza-se por não haver uma coerência de fase, não sendo possível identificar no registo qualquer tipo de onda.
O ruído sísmico pode ser definido como qualquer sinal indesejado que um sensor sísmico registe. No entanto, a classificação do que é ruído sísmico está dependente dos objetivos de estudo; dados que num contexto seriam considerados ruído, podem ser considerados sinais de interesse numa outra área de estudo. Exemplo disto é o ruído de longo período, que pode ser usado em estudos de correlação cruzada entre estações sísmicas.
Em termos gerais, existem duas fontes distintas de ruído:
  • ruído instrumental; ruído gerado pela própria instrumentação;
  • ruído sísmico; ruído exterior ao equipamento de monitorização;

Todos os elementos do instrumento sísmico, filtro, amplificador e ADC, são circuitos eletrónicos que pela sua própria natureza e pelo facto de trabalharem a temperatura acima do zero absoluto, introduzem ruído no sistema de aquisição.


O ruído instrumental induzido pelo sismómetro é, em geral, consideravelmente inferior ao ruído sísmico. No entanto, a utilização de outros equipamentos eletrónicos, como amplificadores, sistemas de comunicação ou outros equipamentos por onde os sinais são processados poderão induzir níveis consideráveis de ruído.

Ruído sísmico

O ruído sísmico possui como fonte fatores externos ao sistema de deteção, podendo ter expressão suficiente para sobrepor-se aos sinais sísmicos. As fontes de ruído são diversas e apresentam frequências distintas, conforme a fonte das mesmas.
A parte de baixa frequência do espectro (abaixo de 1 Hz) deve-se essencialmente a causas naturais, principalmente às ondas do mar. Os processos oceânicos são a fonte de ruído com maior dispersão global. Este tipo de ruído, que resulta do acoplamento de energia entre os oceanos e a Terra sólida, é conhecido por ruído microssísmico (oceanic microseism). Este ruído é composto por dois tipos de vibrações fundamentalmente diferentes, o ruído microssísmico primário e o ruído microssísmico secundário. Processos atmosféricos responsáveis por variações da pressão atmosférica, também geram ruído de longo período (baixas frequências).
O ruído microssísmico primário exibe períodos entre 8 a 20 s (cerca de 0,05 a 0,12 Hz), idêntico ao período da ondulação oceânica, e é gerado nas zonas costeiras devido à conversão da energia das ondas em energia sísmica, fruto da interação das ondas com a costa e pelas variações de pressão vertical causada pelas ondas em águas pouco profundas. Como a amplitude das ondas oceânicas decai significativamente com a profundidade, este mecanismo só é eficiente em zonas de mar pouco profundo, como em regiões costeiras.
O ruído microssísmico secundário, também conhecido como ruído de frequência dupla (dado o seu pico ocorrer sensivelmente com o dobro da frequência do ruído primário), ocorre com períodos entre 4 a 10 s (cerca de 0,1 a 0,3 Hz), metade do período da ondulação oceânica. este ruído resulta da interação das ondas oceânicas com frequências iguais, que colidem ao se propagam em direções opostas. Desta interferência resultam ondas estacionárias com um período que é metade do período das ondas originais. Este ruído microssísmico é produzido de forma eficiente em três situações diferentes: 1) em tempestades oceânicas que avançam rapidamente, quando a perturbação atmosférica avança mais rapidamente do que a ondulação oceânica, gerando nova ondulação que interfere com a ondulação gerada mais atrás; 2) em regiões costeiras, quando a ondulação refletida na costa colide com a ondulação que se aproxima da costa; 3) quando ondulações geradas em regiões diferentes, por tempestades diferentes, mas de períodos idênticos, se encontram. Este tipo de ruído é, portanto, mais acentuado aquando da existência de tempestades oceânicas. As estações sísmicas situadas na proximidade da costa sofrem um grande aumento de ruído durante tais condições. A monitorização contínua deste ruído permite a monitorização e o mapeamento 4D (espacialmente e ao longo do tempo) da estrutura da Terra. A medição das pequenas variações nas propriedades mecânicas da Terra ao longo do tempo possibilita a deteção de alterações associadas a processos de deformação em falhas, a monitorização de sistemas de exploração geológica e o acompanhamento da evolução dos sistemas magmáticos em vulcões.
O ruído sísmico de maior frequência (acima de 1 Hz) é produzido principalmente por atividades humanas, como tráfego rodoviário e trabalho industrial, mas também por fontes naturais, incluindo rios, o vento e outros fenómenos atmosféricos.
O ruído sísmico antropogénico refere-se a todo o ruído gerado por atividades humanas que transmitem vibrações ao solo. Este tipo de ruído, também conhecido por ruído cultural, é caracterizado pelo domínio de frequências elevadas (a partir dos 2 Hz). As fontes deste tipo de ruído incluem tráfego rodoviário, maquinaria pesada, centrais de produção e transformação elétrica, entre outros. Dado que este tipo de atividades está associado a uma rotina humana diária, muitas destas fontes de ruído possuem maior amplitude durante o período diurno, chegando este tipo de ruído a cessar por completo durante a noite e os fins de semana.
Existem também processos naturais responsáveis pela produção de ruído de curto período (frequências elevadas). O vento gera ruído devido à vibração que ocorre quando este embate em estruturas presentes no terreno. Este ruído pode apresentar uma grande gama de frequências (entre 0,5 e 60 Hz), dependo da forma e dimensão do objeto atingido.
Ruído sísmico em fundo num registo de um terramoto. Para o estudo dos microssismos é necessário isolar o sinal de outras fontes sísmicas, como os terramotos.

(Fonte: Earthmagazine)


Ruído sísmico oceânico primário e secundário, fonte de ruído com maior dispersão global.

(Fonte: Earthmagazine)

Densidade Espetral de Potência

Representação gráfica das curvas de PSD utilizadas por Peterson para definir os modelos de ruído.

(Fonte: USGS)

Para efetuar a análise dos níveis de ruído a diferentes frequências, de forma a poder classificar cada local quanto ao seu ruído, faz-se geralmente o cálculo da Densidade Espetral de Potência (Power Spectral Density, PSD), também designada de forma abreviada por Espetro de Potência, que define a densidade de potência em função da frequência. A partir destes valores é calculada a Função Densidade de Probabilidade (Probability Density Function, PDF), que descreve a probabilidade relativa de uma variável aleatória tomar um dado valor.
De forma a permitir a comparação e a avaliação entre estações sísmicas, foram definidos modelos globais de ruído sísmico de fundo. Os modelos propostos por Jon Peterson resultam do refinamento dos modelos já existentes (High Noise Model, HNM, e Low Noise Model, LNM) definidos pelo United States Geological Survey (USGS), sendo estes últimos aceites e utilizados na análise de ruído sísmico para fins de avaliação da qualidade dos sinais.
Peterson baseou os seus modelos de ruído padrão no registo de 75 estações sísmicas distribuídas pelo Globo, analisando vários períodos de observação. Propôs então um modelo para o ruído mais baixo (New Low Noise Model, NLNM) e um modelo para o ruído mais elevado (New High Noise Model, NHNM). O NLNM é um modelo de espetro de ruído de fundo obtido em condições com níveis de ruído muito baixos, sendo improvável de ser duplicado por uma única estação. O NHNM foi obtido a partir das mesmas estações, mas na presença de ruído sísmico elevado, sendo por isso possível encontrar estações com níveis de ruído mais elevados ou que possuam períodos de tempos em que podem ser afetadas por fenómenos que elevem os níveis de ruído para além dos estabelecidos por este modelo. Uma estação sísmica será tanto melhor quanto mais os seus registos se aproximarem da curva NLNM.