Sismos


O mundo repousa sobre os pilares divinos da fé, da esperança e da caridade. Quando as ações dos seres humanos enfraquecem um dos pilares, a Terra treme.

Lenda romena

Poseidon, filho de Cronos e de Reia, uma das doze divindades do panteão grego, era conhecido por ser um deus temperamental. Como deus do mar, das tempestades e dos terramotos, Poseidon usava a água e os terramotos para exercer vingança. Quando se enraivecia, era ofendido ou ignorado, batia com o seu tridente no chão e causava naufrágios, tempestades ou terramotos.

Tal como os antigos gregos, muitos povos e culturas do mundo construíram mitos e lendas para explicar a ocorrência de sismos. Os gregos, a começar por Tales de Mileto, no século VI aC, foram também os primeiros que, indo além das histórias míticas, procuraram as primeiras explicações racionais para a origem dos terramotos.

Aristóteles, na tradição de outros autores gregos, como Anaxágoras, Empédocles ou Demócrito, propôs que a causa dos terramotos era o tremor da Terra devido a vapores secos aquecidos ou ventos presos no interior da Terra, tentando libertar-se para o exterior.

O grande terramoto de Lisboa de 1 de novembro de 1755, que provocou grande destruição nesta cidade e noutras regiões do país, e produziu um grande tsunami que atingiu as costas de África e da América, causou enorme impacto na cultura europeia da época. Este acontecimento lançou uma nova fase de interrogações sobre a origem dos sismos, sendo disso exemplo o ensaio publicado pelo filósofo Immanuel Kant, em 1756. Kant anteviu a inadequação do modelo aristotélico (baseado na circulação de vapores em cavernas subterrâneas) para explicar a observação de seiches (fenómenos que resultam da ressonância de massas de água confinadas, à passagem das ondas sísmicas) em pontos distantes da Europa, na sequência do terramoto de 1755. Confrontado com a evidência de que lagos a milhares de quilómetros de distância tinham sido perturbados sem que os habitantes das margens sentissem qualquer tremor, Kant interrogara-se: “Como é que nos territórios circunjacentes, sob os quais os veios de fogo devem necessariamente passar, não se sentiu esse potente impacto?”, concluindo que "Toda a terra firme é colocada em suave vacilação pelo fraco poder de vapores inflamados sob a sua superfície, ou outra causa”.

É geralmente reconhecido que as interrogações suscitadas pelo terramoto de 1755 e o detalhado inquérito promovido nesse ano, por ordem do Secretário de Estado Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, para recolher de forma sistemática as descrições dos efeitos do terramoto, introduziu a sismologia na era moderna. Este terramoto foi alvo de grande atenção por parte da comunidade científica, e sobre ele se pronunciaram muitos dos expoentes máximos da ciência sismológica ao longo dos dois séculos e meio seguintes, como John Michell, Robert Mallet, Harry Fielding Reid, Beno Gutenberg ou Charles Richter.

Em 1758, Joachim Moreira de Mendonça, arquivista da Torre do Tombo, publicou a Historia Universal dos Terremotos, um estudo sobre as causas dos terramotos, o primeiro catálogo sísmico elaborado em língua portuguesa e um dos primeiros catálogos globais.

Frontispício de Historia Universal dos Terremotos, de Joachim Moreira de Mendonça (1758), escrito depois do terramoto de Lisboa de 1755.

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Alfred Wegener (1880 - 1930), geofísico e meteorologista alemão, proponente da teoria da deriva continental, precursora da mais abrangente teoria das placas tectónicas.

(Fonte: Wikipédia)

Em 1760, o físico inglês Jonh Michell, inspirado nos relatos da época do terramoto de Lisboa, deu um passo decisivo ao recorrer pela primeira vez à propagação de ondas para justificar os efeitos à distância dos tremores de terra. Influenciado pelas múltiplas notícias que davam conta de um movimento “semelhante ao das ondas do mar” sentido pelos habitantes de Lisboa, e conhecedor da teoria matemática da propagação das ondas, proposta em 1747 por Jean d’Alembert, Michell deu um passo decisivo ao escrever: “O movimento da terra nos terramotos é em parte trémulo, e em parte propagado por ondas, que se sucedem umas às outras, por vezes a grandes distâncias e por vezes a pequenas distâncias; e este último tipo de movimento propaga-se geralmente muito mais longe do que o primeiro”. John Mithell respondeu assim à questão suscitada por Immanuel Kant, quatro anos antes: essa “outra causa” que Kant admitira seriam as ondas elásticas. Contudo, só após o desenvolvimento da teoria da elasticidade, na primeira metade do século XIX, foi possível fazer a interpretação dos fenómeno sísmicos com base nas leis da Física.

Uma etapa fundamental no estudo dos sismos foi o desenvolvimento de instrumentos capazes de registar os movimentos do solo produzidos pelos terramotos, permitindo assim quantificar as observações e possibilitar a aplicação da ciência ao estudo dos mesmos. A partir daí, a sismologia deixou de ser uma ciência puramente naturalista, passando a ciência experimental.

Os primeiros instrumentos usados ​​para medir as vibrações do solo baseavam-se nas oscilações de um pêndulo e começaram a ser usados por volta de 1830. No final desse século, o primeiro sismógrafo de registo contínuo já estava em funcionamento. Em 1889, Ernst von Rebeur Paschwitz, em Potsdam, na Alemanha, fez o registo de um terramoto ocorrido em Tóquio, no Japão, obtendo o primeiro sismograma de um sismo ocorrido a uma grande distância.

Robert Mallet, considerado um dos fundadores da moderna sismologia (a quem é creditada a palavra "sismologia"), publicou em 1848 um tratado pioneiro onde apresentou as ondas elásticas como propagadoras da energia libertada pelos sismos. Os primeiros estudos sobre a propagação das ondas sísmicas, baseados nos primeiros trabalhos sobre a teoria dos meios elásticos, foram publicadas no final do século XIX e início do século XX. Os primeiros modelos do interior da Terra baseados em observações sismológicas foram propostos entre 1900 e 1940 por Richard Oldham, Beno Gutenberg, Harold Jeffreys, Keith Bullen e James Macelwane, entre outros.

As investigações realizadas pelo sismólogo Harry Fielding Reid e pelos seus colegas, na sequência do grande sismo de S. Francisco, em 1906, vieram confirmar o mecanismo gerador de sismos pela movimentação brusca em falhas. O modelo do ressalto elástico de Reid, proposto na altura, continua aceite nos dia de hoje. Segundo este modelo, a energia acumula-se por deformação elástica da crosta, com a lentidão dos processos geológicos, sendo libertada episodicamente por rotura frágil numa falha. As fraturas da crosta observadas à superfície por ocasião dos terramotos mais fortes deixavam assim de ser interpretadas como efeitos secundários da vibração do solo, passando a estar ligadas à sua génese.

A partir de 1945, a sismologia desenvolveu-se rapidamente, quer no conhecimento da propagação das ondas elásticas através da Terra, quer no mecanismo de geração dos sismos. Na década de 1960, a teoria das placas tectónicas (sucessora da teoria da deriva continental) estava já bem estabelecida, trazendo uma mudança profunda na compreensão da geofísica da Terra e das forças que a modelam à superfície, e por consequência, também na compreensão do principal mecanismo de geração de eventos sísmicos.